Azar Crônico

O sequestro do Apolo: 6 anos depois o nosso cachorro voltou

18 de julho de 2019
Eu comecei e recomecei esse texto várias vezes. Parte por não saber por onde começar. Afinal, são 6 anos e eu ainda nem acredito que esse cachorro realmente voltou para casa. Juro. Parte por que mexeu muito com o meu emocional, já que foi o último cachorro do meu pai. Parte por ainda estarmos com medo e assombradas pelos sequestradores do Apolo. Real, não tenho outro nome para chamar essas pessoas. Espero que a história tenha ficado compreensível e que você não se importe de eu citar Deus e o meu falecido pai. Vai saber se você não é agnostico ou ateu, né? Mas, eu também não sei achar outra explicação para essa história toda ter acontecido. 
Contextualizando a era “Dingo”

Papai era louco por uma raça de cachorros chamada Cocker Spaniel. Mas, eles tinham que ser preto e branco, ter o rabinho cortado na altura certa e sempre se chamavam Dingo. Não me pergunte por que ele era metódico com cachorros. Ele era e ponto final. Foram uns 3 Dingos antes de eu chegar na vida do meu pai. E mais dois depois. O primeiro deles, chegou quando eu tinha 4 anos. Lembro de ouvir meu pai contar que era o cachorro que tinha que escolher você. Quando ele chegou no pet shop, o nosso Dingo era o que tinha sobrado de uma ninhada. Já tinha uns 4 meses até, não era tão filhotinho. Quando ele foi solto de onde estava, esnobou meu pai e correu para o fundo da loja. Papai estalou o dedo, chamou “Dingo” e ele correu para o colo dele. Foi assim que Dingo nos escolheu.

Anos mais tarde, quando o meu primeiro Dingo nos deixou por ter se tornado velhinho demais, papai não aguentou e logo apareceu com outro. Mas, esse não ficou muito tempo conosco, alguém o roubou. Distribuímos cartazes, procuramos no bairro, mas ele nunca retornou. Uns dois anos mais tarde, papai apareceu e disse: “A cocker do veterinário está com uma ninhada a caminho, eu vou atrás de comprar outro Dingo”. Eu ri. Por que naquela altura dos meus 16 anos, já tinha perdido a esperança de ter qualquer outra raça, cor ou nome. Só que a novidade vinha acompanhada de um adendo: não conta para a sua mãe! Mamãe sempre vinha com o papo de “não quero mais cachorro aqui” e sempre derretia quando chegávamos com algum. Portanto, sabíamos que era causa ganha.

Deus prega uma peça no meu pai

Só que, como se Deus quisesse que meu pai testasse novas possibilidades na vida, não veio nenhum cocker preto e branco naquela ninhada. Na verdade, o único machinho, nasceu branco e caramelo. Meu pai, que não sabe resistir a orelhas grandes de cockers, quis um do mesmo jeito. E nós, lá em casa, batemos o pé dizendo que não ia dar para ser Dingo, já que ele não cumpria o requisito básico: ser preto e branco. Apolo, então. E assim ficou. Mas, para a angústia do meu pai, Apolo tinha vindo com o rabo cortado errado. Geralmente, corta-se o rabo de um cocker (não sei para que!) numa altura certa e o do Apolo era um ossinho maior. A chegada de Apolo foi em maio, quatro meses depois meu pai desencarnou. Definitivamente, não chegou a curtir seu cachorro como gostaria.

Mas, a presença de Apolo sempre nos fez sentir como se meu pai ainda estivesse um pouco conosco, sabe? Já que ter cockers era algo totalmente dele. Um ano mais tarde, Apolo que sempre foi muito danado, conseguiu escapar lá de casa sem a gente ver. Quando chegamos e o colocamos para dentro de casa, os donos de uma igreja ali do lado, pediram para ficar com ele. Afinal, de acordo com eles, nós não cuidávamos do cachorro. Minha mãe achou uma audácia. “Como assim não cuidamos dele? É a primeira vez que acontece isso, além de ser saudável e bem alimentado. Não vou dar meu cachorro para ninguém”. Na semana seguinte o Apolo sumiu. Ou melhor, roubaram ele. Para nós, que já havíamos perdido meu pai no ano anterior, aquilo doeu mais do que você possa entender.

A busca

Lembro de ver minha irmã, magrela e esguia, enfiando o dedo na cara do pastor, que era 5 vezes maior que ela. Sabíamos que tinham sido eles e precisávamos recuperar nosso pequeno. Alguns dos nossos vizinhos chegaram a dizer aonde eles moravam e fomos bater lá. Era uma casa bem distante da nossa, por uma área do bairro que não estávamos acostumadas a passar. Quando chegamos na porta do tal endereço, deixaram a gente entrar. Ficavam afirmando que só tinham uma poodle. Rodamos pela casa e, claramente, Apolo não estava por lá. Mas, nada nos tirava da cabeça que eles o tinham pego. Em momento nenhum dos anos que se passaram, nos esquecemos dele. Uma vez, minha mãe procurando um endereço para as bandas aonde eles moravam, chegou a ver um cachorro semelhante ao Apolo e tinha certeza que era ele. Mas, nós nunca conseguíamos acertar passar por lá novamente.

Fotos do Apolo em casa depois do sequestro

Seis anos se passaram

E nós comentamos com poucas pessoas que conhecemos nesse período sobre a história do Apolo. Mas, no sábado 13 de julho de 2019, uma amiga da minha mãe pegou carona. Ela é louca por bichos e é bem acostumada a fazer resgates. Mas, geralmente, não comenta nada com a gente. Como acaso do destino ou por um empurrãozinho do meu pai, ela entrou no carro falando “Tenho um Cocker para doar”. Mamãe, que bem sabe o preço de um Cocker, achou aquela conversa muito absurda. “Para doar?”, questionou. “Sim! Resgatei ele, estava sendo maltratado, olha aqui a foto”. Ao abrir a foto de um cocker, branco e caramelo, ela fez a minha mãe se arrepiar. “Aonde você achou esse cachorro?”, a cabeça dela estava a mil por hora e o coração batia mais rápido do que dá para imaginar.

– Ali perto da tua casa.

– Esse cachorro é meu!  

Os minutos que seguiram foram tomados por uma conversa confusa em que, de um lado ela explicava sobre o resgate do cachorro e, do outro, minha mãe narrava o sequestro. Na mesma hora minha mãe me mandou um áudio tão confuso quanto aquela conversa, dizendo que ela tinha certeza que a amiga tinha achado o Apolo. E eu, que já comecei a chorar só com a possibilidade de reencontrar meu cachorro, liguei para minha irmã e contei tudo que sabia até ali.

Pausa para te explicar o resgate do Apolo

Essa amiga, que eu acho melhor não citar nomes por alguns motivos, passeando pelo nosso bairro, viu três cachorrinhos sendo maltratados em uma casa. Cheios de carrapato, acorrentados o dia todo, no calor, sem água fresca. Como a casa em questão não tinha muro, ela conseguia ver e acompanhar tudo sempre que passava ali. Existe uma lei de proteção animal que qualquer pessoa pode entrar na sua residência e tomar um animal que está sendo maltratado. E foi exatamente o que ela fez. Planejou o resgate dos três. Inclusive, da tal poodle que estava na casa no dia em que fomos procurar o Apolo no ano que ele foi sequestrado. No entanto, ela já estava com a doença do carrapato e não resistiu. Ele foi levado para o abrigo, tratado e cuidado.

Essa história toda de resgate tinha acontecido umas três semanas antes dela contar para a minha mãe. O homem já tinha ido até com polícia na casa dela, para pegar o cachorro de volta. Dizendo que o cachorro era dele e que era muito bem cuidado. Dá para acreditar na cara de pau sem tamanho de uma pessoa dessa? Pelo que ela nos contou e descreveu, ele é exatamente o pastor que é 5 vezes o tamanho da minha irmã. Tanto que ele tem uma igreja ao lado da casa aonde os cachorrinhos estavam. Era ele, só podia ser. E aí, voltamos para a história.

Foto do Apolo me abraçando

O nosso reencontro

No dia seguinte, fomos ao abrigo aonde o Apolo estava. Dezenas de cachorros espalhados por ali. Conseguimos ver ele de longe e, na hora que eu bati o olho no rabo dele, comecei a chorar. Lá estava a prova de que o tal Cocker era exatamente o nosso. Até então, eu não lembrava da história de que o papai tinha ficado bravo com o veterinário por ter cortado o rabinho dele errado. Mas, bastou rever, para a memória invadir a minha cabeça. Os momentos a seguir poderiam ter sido dignos de cinema. Tirariam o Apolo do espaço, trariam ele para perto de nós, chamaríamos o seu nome, o rabo balançaria e ele correria para o abraço. Assim como o primeiro Dingo. Só que não foi nada disso. Ou, melhor, quase nada disso. Quando o trouxeram e o chamamos, ele abanou o rabo reconhecendo na hora.

Mas, o cheiro de uma cachorrinha no cio foi mais forte do que o amor do reencontro e Apolo saiu correndo por todo o espaço do abrigo para tentar encontrar a tal cadelinha. Os momentos fofos só vieram no caminho de volta para casa. Apolo que foi no banco da frente com a amiga da mamãe, olhava para gente com amor. Em um determinado momento do trajeto, ele começou a tentar atravessar os dois bancos da frente, para vir para o meu colo. Eu, que já estava chorando desde a hora que o encontrei no abrigo, me desfiz de vez em lágrimas. Ao chegar em casa, Apolo se jogou no chão da cozinha como se estivesse muito realizado em estar ali. Minha mãe ajoelhou ao lado dele e disse: “A gente te procurou, neném. A gente não te esqueceu, viu? Você tá em casa agora”.

Como estamos

Ainda emocionadas e sem entender nada sobre essa história. Literalmente, é como se um pedaço do meu pai voltasse para casa também. A família que sequestrou ainda está mandando mensagens para a moça responsável pelo resgate. Apolo está bem e feliz de estar de volta. Já está medicado e fez exame de sangue para ver se tinha alguma doencinha. Graças aos céus, está mais saudável impossível. Ele come e bebe água com muito desespero, como se fosse ser a última vez que ele fosse ter acesso a alimento. E dói muito ver isso. Ao mesmo tempo que ele é muito amoroso e quer ficar abraçando a gente o tempo inteiro, ele também tem momentos de rebeldia. Rosna sem motivos e acreditamos que ele apanhava muito na outra casa.

Está tendo algumas reações de correr atrás e latir para uma de nossas gatas, mas na maior parte do tempo não se importa com as outras bichinhas que temos em casa. Também não pode ver o portão aberto que sai correndo pelo bairro e já não sei mais o que fazer nesse caso. Estamos pensando em adestrar, mas por ter 7 anos, já é mais difícil. Só que, apesar de já estar com uma idade mais avançadinha, Apolo parece um neném e quer brincar o tempo inteiro. É isso!

Esse deve ser o maior texto do blog, mas também é muito mais um registro para a gente recordar daqui uns anos, do que para outras pessoas lerem. Mas, se você leu até aqui, muito obrigada! <3

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