Azar Crônico

Mabel: a carta que prometi e um recorte da vida

24 de novembro de 2021

Querida Mabel,

prometi lhe escrever quando estivesse aqui. Não faz sentido colocar uma carta no correio agora, tendo em vista os últimos meses. Mas, parte de mim ainda anseia por conversar com você. Mesmo que eu ignore solenimente essa ideia. Sendo sincera, tenho diálogos internos com você o tempo todo. As vezes, nem percebo que estou fazendo isso. Quando caio em mim, já estou matracando mentalmente com você há horas e me pergunto quanto disso ressoa por aí com telepatia. Será que ainda conseguimos esse contato? Creio que não.

Enfim, sigo divagando, como se não houvesse amanhã e como se você não tivesse coisas mais importantes do que pensamentos soltos em uma carta boba. Conversar contigo, mesmo que indiretamente, é como falar com uma parte minha do passado. Sei que diversas dores atuais para você, são dores que já vivenciei anteriormente e por isso é tão fácil compreender aonde dói. Outras tantas coisas, sinto que são muito mais pesadas e profundas aí. Tão tão mergulhadas internamente, que é doloroso demais para você deixar que eu veja uma parte disso. Mesmo que você saiba que pode confiar em mim. E eu sei que você sabe disso e que esse não é o ponto aqui. Fique tranquila.

A vida partilhada contigo seria um presente.

Cada canto daqui me lembra você. Na realidade, não é que me lembre você. Nem tudo parece com a sua personalidade única. Mas, é que eu adoraria partilhar cada detalhe dessa vida contigo. Não estou nem falando de um jeito romântico, nem nada. É uma sensação de que, como partilhamos de pensamentos e jeitos muito parecidos, ia ser gostoso demais conversar com você em cada esquina. Sem falar no quanto seria gostoso ver teus olhos brilhando por determinadas coisinhas que veriamos no caminho. E em como poderíamos fazer o mundo calar, como fazíamos sempre que estavamos juntas. Como fazemos sempre que nossos olhos se conectam por minutos. O mundo some e entramos em um universo paralelo só nosso.

É, Mabel, a vida seria um presente se pudessemos viver nosso mood de risos por coisas bobas, né? Mesmo que a gente saiba que sempre existiria o lado de fora, aqui dentro da nossa bolha, tudo é confortável e amenizado pelo riso frouxo. Pensei em te escrever, sobre como tenho visto a vida desde que vim para cá, mas isso está cada vez mais se tornando uma carta melancólica sobre como éramos porto seguro uma para a outra. Aliás, você já se perguntou se aqueles dias foram um delírio coletivo? Por que, veja bem, meu bem, as vezes acho que tive um sonho louco, de tão breve que tudo aconteceu. De tão breve que tudo passou.

A vida aqui é fria.

Penso muito sobre a vida. Chego a conclusão de que estou mesmo envelhecendo. Penso sobre como não quero que minha vida adulta seja sobre pagar boletos. E, ao mesmo tempo, sobre como não quero que seja uma vida de privações, em prol de um dinheiro guardado que nem sei se um dia irei usufruir. Sempre tive a sensação de que morreria cedo, sempre. Num acidente de carro, sabe? Sei lá por que. Sempre penso que tenho medo de o futuro não ser nem 10% de como eu gostaria e nunca acho que ele pode me surpreender positivamente. Sempre penso o pior. Por que, Mabel? Por que eu sempre penso o pior? Nesses horas, eu só queria voltar para o teu abraço, na certeza de que o amanhã pode me surpreender tão positivamente quanto o dia em que você chegou em minha vida.

Só que eu só penso em como o amanhã pode surpreender negativamente, tanto quanto o dia em que você decidiu ir. E dói. Aí eu quero parar de pensar, mas a minha mente me traí e eu sigo preocupada sobre coisas que eu até teria o controle, se tivesse forças para levantar e fazer. Mas, não tenho. Forças, no caso. Que droga, Mabel. Essa era para ser uma carta sobre como a vida ainda pode ser boa e me deixei levar pela saudade. Sendo que eu achei que ela nem estava mais aqui. A saudade, no caso. Por que você, meu bem, sempre terá um espaço largo em meu coração para ocupar.

O lado bom da vida.

Ai que droga… Vamos lá, ainda dá tempo de salvar, né? Me passei na saudade, mas juro que posso provar que a vida tem um lado bom. Passei boa parte da vida à deriva. Observando a vida acontecer do lado de fora. Vendo grupos sendo formados e o amor acertando as pessoas para todo lado. E muito disso me deixou com aquela sensação de “e quando será a minha vez?”. A vida só começou a acontecer para mim, quando eu decidi ir até lá. Sair da beira da praia e mergulhar no mar. Você me conhece, sabe que sou medrosa e que ainda faço o possível para nadar por zonas seguras. Mas, a medida que vou me arriscando e me permitindo, eu acabo atraindo as pessoas certas, como você.

Achei que nunca teria amigas como as que eu tenho hoje, que respeitam 100% quem eu sou. Achei que nunca sentiria algo tão forte por alguém como eu senti naquela época. Que nunca sentiria saudade das pessoas da nossa cidade e agora penso em como um abraço delas caíria bem. A vida só começa a ficar bonita fora, quando a gente se permite abrir a janela e deixar o sol entrar. Por que se a janela seguir fechada, a gente nunca consegue ver o brilho dele, viu? Mabel, a vida é confusa, dolorosa, mas surpreende pro bem também. Duvida disso não, tá?

Mabel, prometi te escrever, né? No fim, não envio e fica um emaranhado de pensamentos soltos, mas tudo bem. Você me entenderia se fosse ler isso aqui. E sim, eu sei que você sabe. Se cuida.

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