Era noite de circo. Talvez tenha sido a primeira vez que eu fui em um, mas não tenho certeza. Quase tudo que sei sobre aquela noite, minha mãe me contou uns anos depois. Daquela noite, só me lembro da garotinha sentada na fileira da frente. Era noite de circo e eu provavelmente me encantei com aquelas acrobacias em tecido. Eu me encanto com elas até hoje. Eram tempos de Macarena. Eram tempos de vivo ou morto, uma brincadeira que, na época, ainda era uma das favoritas das crianças.
Mas eu só lembro mesmo é daquela menininha. Sabe aquela história infantil “Cachinhos dourados”? Parecia que a personagem tinha ganho vida e estava na minha frente. Aqueles cabelos loirinhos sempre foram o oposto dos meus. Lembro de seus olhos grandes, feito duas petecas azuis, arregalarem quando ela virou e pediu:
– Me dá um pouquinho de algodão doce?
Morávamos a três ruas de distância umas das outras, nossas mães nunca tinham se visto na vida. Nós, definitivamente, precisávamos ir naquela noite de circo. Lá, enquanto brincamos de vivo ou morto e dançamos Macarena com o palhaço, nós não poderiamos imaginar que aquele circo nos daria um presente para a vida toda.
Três anos depois ela se mudou. Nem foi para muito longe, mas era bem difícil manter uma amizade à distância durante aquela época. Tinha tudo para termos perdido contato. Afinal, as crianças ainda não usavam celular no fim dos anos 90.
Raramente, temos a sorte de encontrar um amigo para a vida toda
Dezoito anos se passaram desde daquela noite de circo. Nós tivemos muitas fases durante esses anos. Ela já foi emo, eu já quis ser bailarina. Minha primeira viagem sem meus pais, foi para a casa dela. Não lembro de grandes brigas entre nós, mas houveram anos em que quase não nos falamos. Tenho quase certeza que ela não foi a primeira amiga que eu fiz na vida. Porém, atualmente, é a amizade mais antiga. Já tivemos várias amigas mais próximas, nesse meio tempo. Já morremos de ciúmes por causa disso. E já aprendemos que muitas amizades vão vir, mas pouquíssimas vão resistir ao que a nossa resistiu.
A verdade é que, raramente, temos a sorte de encontrar um amigo para a vida toda. Alguém que sabe sobre todas as fases que já passamos. Conhece todos os nossos históricos de amores e decepções. Alguém que abriu espaço para que tivéssemos outros amigos e que nos alertou que esse amigo ia pisar na bola. Acho que a gente nunca se deu conta, de verdade, da sorte que nós duas temos.
A sorte de ter um amigo que passou tanto tempo na sua casa, que ama seus pais como se fossem dele. Alguém que entenda todos os nossos costumes e manias. Alguém que vai entender que a gente muda ao longo da vida e que está tudo bem se você não puder entrar em contato todos os dias. Alguém que vai entender quando você precisar virar adulto e ficar sem grana para fazer uma visita. E, principalmente, alguém que vai torcer por você sempre e comemorar todas as vitórias que você tiver na vida.
É… Quem diria que uma noite de circo me daria um presente tão grande.
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